Atenção!
(In)Completude
De todas as características que nos tornam singulares enquanto espécie, a capacidade de representação do mundo através das diversas formas de linguagem é, em minha opinião, a mais sublime. Esta capacidade de descrever e representar o mundo e tudo o que ele contém nos abre a possibilidade não somente de nos reconhecer como indivíduos, mas também de nos colocar no lugar de outros indivíduos (da mesma espécie ou não). Por exemplo, ao ler um poema, uma crônica, uma notícia, assistir a um filme ou ouvir uma música estamos, em última instância, interpretando o mundo que nos cerca a partir de nossas vivências e da reflexão sobre o que acessamos. Neste processo, também somos capazes de acessar a forma como outros indivíduos interpretam o mundo e seus fenômenos a partir de suas vivências. Portanto, a linguagem nos ajuda a construir uma visão própria de mundo, bem como reconhecer que existem visões diversas das nossas.
Do ponto de vista da ciência, existe uma limitação intrínseca a toda representação de mundo. Como abordado por Wittgenstein em seu Tratado Lógico-Filosófico: “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Posteriormente Gödel demonstrou o Teorema da Incompletude que aborda os limites dos modelos de representação que, em termos matemáticos, equivale a dizer que existem equações matemáticas para as quais podemos provar que existe solução, porém esta solução não pode ser representada matematicamente.
Em tempos que há um grande interesse por multiversos (como relatado de forma ficcional nos quadrinhos e filmes de heróis, mas também possíveis dentro de algumas interpretações da teoria quântica) me intriga termos perdido a capacidade de nos encantar pelas visões que são distintas das nossas. Como se o avanço científico, que torna plausível a hipótese de termos muitos mundos, chegue em um momento no qual cada indivíduo aceita (e deseja) que exista apenas um mundo: aquele que concebe a partir de sua própria visão!
Destaco que não é trivial exercer a nossa capacidade de refletir sobre a opinião dos outros, ao invés de somente confrontá-la a partir da nossa. Nosso processo formativo se baseia em dicotomias como certo e errado, bem e mal, bom e mau etc. Talvez por isso nos adaptamos tão bem a um mundo dominado por plataformas baseadas em um sistema binário no qual a computação clássica é construída e os algoritmos são estruturados.
Para mim, caminhar em direção a um mundo que respeite a diversidade de pensamentos e compreenda que cada indivíduo é único tem como pré-requisito a capacidade de refletir sobre as causas (e as consequências) de outras visões de mundo distintas da minha. E, para isso, são necessários dois fatores: a garantia de espaço de expressão para a manifestação de distintas visões e que eu me disponha a refletir sobre esta manifestação (diversa da minha) a fim de enriquecer a minha visão de mundo. Daí deve nascer o diálogo que é equivalente às pontes que devem conectar os múltiplos universos (caso existam).
Destes dois fatores, o primeiro passa a ser assegurado com a criação deste espaço de opinião dentro dos canais oficiais da UFT. Já o segundo é uma escolha que cabe a cada um de nós.
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Sobre o autor
Marcelo Leineker é professor, graduado, mestre e doutor em Física pela UnB. Atualmente é vice-reitor da UFT. E-mail: leineker@uft.edu.br
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